quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A SUAVE PANTERA

A SUAVE PANTERA - (Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras -1963)

Nos dois livros seguintes – A Suave Pantera (Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras) e O Sangue na Veia, que buscam uma certa objetivação do poema – sai de cena o travo de melancolia e sofrimento, derivado da sensação de impotência diante da fugacidade do tempo. A pantera, estuante de vida, está toda presente em si mesma, sem passado e sem futuro, e portanto sem angústia. Nela coexistem a fome, a cólera, a liberdade, o amor e o sono – mas não a consciência da morte. Lauro Moreira
1. Como qualquer animal,
olha as grades flutuantes.
Eis que as grades são fixas:
ela, sim, é andante.
Sob a pele, contida
- em silêncio e lisura -
a força do seu mal,
e a doçura, a doçura,
que escorre pelas pernas
e as pernas habitua
a esse modo de andar,
de ser sua, ser sua,
no perfeito equilíbrio
de sua vida aberta:
una e atenta a si mesma,
suavíssima pantera.

2. É suave, suave, a pantera,
mas se a quiserem tocar
sem a devida cautela,
logo a verão transformada
na fera que há dentro dela.
O dente de mais marfim
na negrura toda alerta,
e ser de princípio a fim
a pantera sem reservas,
o fervor, a força lúdica
da unha longa e descoberta,
o êxtase de sua fúria
sob o melindre que a fera,
em repouso, se a não tocam,
como que tem na singela
forma que não se alvoroça
por si só, antes parece,
na mansa, mansa e lustrosa
pelúcia com que adorna,
uma viva, intensa jóia.

4. Mas é no amor que essa fúria
alcança de si o máximo.
À parte qualquer luxúria,
à parte a falta de tato,
se se alça e ganha a medida
de seu corpo todo casto,
há que ver-lhe a esbelta e lisa
figura de todo lado,
quando toda se descobre
- como um cristal se estilhaça –
amando a vida, ai, amando
a vida que passa, passa.
Tão projetada num sonho,
nem se diria uma fera,
contida, casta e polida,
com tanto furor interno.

5. Com tanto furor interno,
quem a livra, quem a livra
de ser o seu próprio inferno,
de, pelo fogo da ira,
consumir-se estando quieta,
de acabrunhar-se sozinha.
Nem se diria uma fera!
Nem se diria rainha!
As patas pisando o chão
têm uma dura leveza,
os pelos brilhando de ônix,
- de si mesma prisioneira –
caminha de um lado a outro
como pelo mundo inteiro.
Há esmeraldas de silêncio
nos seus olhares acesos.

13. A fome de um bicho
- e mais se é pantera –
não tem o limite
que tem gente tivera.
Não é como a fome
violenta, direta,
subjetiva, do homem,
a fome da fera.
A fome de um bicho
é cruel e eterna,
e toda inconsciente,
com uma força interna.
É fome indistinta
espalhada nela,
com íntima fúria
que ela não governa.

16. Além de precisa é ubíqua,
outra vantagem mais forte.
Por toda parte é sensível
sua graça, como um broche,
ou como coisa pousada
e em si mesma repentina:
os olhos onde violetas
cobram cores agressivas,
a cauda suspensa e lisa
como nuvem sossegada,
não solta, não qualquer nuvem,
nuvem presa como uma asa,
o corpo todo concreto,
todo animal, perecível,
e mais uma ânsia por dentro,
de ser livre, livre, livre.

Sem comentários: